Haendel Motta*
Sim, hard skills importam e demonstram a consistência de sua formação. Já a forma como você opera suas ferramentas – se com originalidade, senso crítico, empatia, liderança – revela suas soft skills.
São muito conhecidos esses top 10 skills, elencados pelo Fórum Econômico Mundial:
- Complex Problem Solving
- Critical Thinking
- Creativity
- People Management
- Coordinating with others
- Emotional Intelligence
- Judgment and Decision Making
- Service Orientation
- Negociation
- Cognitive Flexibility
Todos concordam que hard e soft skills se complementam, mas no mundo 4.0 não haveria um terceiro eixo de habilidades necessárias? Arriscaria dizer quais são?
Digital skills: intimidade com as novas tecnologias.
Você não precisa se tornar um programador, mas deve ser um usuário digital habilidoso (ainda mais agora, com a aceleração provocada pela pandemia). Respeite seus potenciais e limitações. Não se cobre nas três esferas de skills com igual peso, mas preste atenção: não negligencie nenhuma por completo.
Hard. Soft. Digital.
“As máquinas vão roubar nossos empregos!” – não, aqueles capazes de extrair o melhor delas, ou de se tornar imprescindíveis no que elas não podem fazer é que irão fazer isso.
Habilidades digitais essenciais
Ganhei de um especialista a formidável lista abaixo, de ‘habilidades digitais essenciais‘ (que não ouso traduzir).
Os exemplos aqui só pincelam, não esgotam a lista, e focam no básico do dia a dia:
– Então, o HD pifou e foi junto aquele arquivo.
– O quê? Já ouviu falar em nuvem?
– Recebo mil coisas todo dia.
– Separe ‘ruído’ de ‘sinal’ customizando suas notificações e bloqueando o que não interessa.
– Mas isso me isola numa bolha!
– Suporte seu FOMO e, sim, mantenha ativos alguns inputs dissonantes.
– Que montagem legal! Pegou onde?
– Eu que fiz.
– Queria aquele trecho da cena pra postar.
– Em MP4 ou GIF? Faço pra você.
– Socorro, aquela live teve 90 minutos de jogo e só 15 de bola rolando.
– Assisti outra feita em três redes simultâneas, e a pessoa em 30 minutos deu o recado.
– Não aceita cartão? Transfiro agora e envio o comprovante por e-mail, pode ser?
– Cuidado com o que posta, as redes têm olhos, ouvidos e memória longa.
– Não clique em tudo que aparece sem avaliar antes.
E por aí vai!
Carreira e anticarreira
Se, antes, as carreiras pareciam seguir um curso linear – por exemplo: estudei por “X” anos, agora é exercer minha profissão por outros “X” e depois me aposentar – sabemos que isso foi mudando de uns tempos pra cá.
Hoje, a perspectiva é de atualização contínua e planos em mais de uma frente de batalha. Mas como isso funciona na prática? Bem, pra começar, não ocupe o tempo integral de sua jornada exercendo o que já sabe fazer – instaure uma cultura de formação contínua. E para a vida toda: lifelong learning.
Se sua empresa ainda não favorece isso, se antecipe, cave-a por você mesmo.
Abra espaço diário para leitura (escreva textos também), assista a palestras, podcasts, inscreva-se em cursos – a pandemia catapultou o ensino a distância, beneficie-se disso. Diversifique seus investimentos de tempo e também os alterne entre estudo e prática – claro, movido pelo que mais lhe atrai fazer.
A questão é que, na dinâmica incerta do mundo 4.0, seu campo de atuação pode desaguar de repente em outro, e depois outro novamente, o que exigirá maior desprendimento e capacidade de adaptação do que nunca.
Joseph Teperman tem um livro sobre isso, o conceitual Anticarreira. Já Nailor Marques Jr sacramenta que “não existem mais formados, estamos todos em formação”.
Profissional T
Já ouviu falar em profissional T-shaped? Se detesta anglicismos (mania de usar termos em inglês), podemos traduzir para “profissional em forma de T”.
No mundo 4.0, interessa o profissional capaz de navegar horizontalmente por áreas diversas sem, no entanto, perder a capacidade de mergulho vertical em pelo menos uma.
Isso lembra um T:
- generalista: espelho de água de grande superfície, dois dedos de profundidade em cada assunto;
- especialista: poço fundo de água útil, sem notícias do logo ali ao lado;
- especialista-generalista: espelho de água com um poço no meio.
Hoje, tem vantagem competitiva o especialista-generalista que, como visto antes, alterna prática e estudo em escavações para o lado e para baixo.
Sendo assim, bem-vindo ao mundo 4.0. Ao conseguir, você pode também abrir outros poços, transformando o T em π, ou em ‘m’, ou num pente! Mas vá com calma, saboreie o caminho movido não por ambições externas, mas por significado e flow. Como disse Millôr Fernandes, quem se mata de trabalhar merece mesmo morrer (risos).
As três esferas e suas intersecções (Hard Skills, Soft Skills e Digital Skills):
Observe a figura e perceba as interseções entre apenas duas esferas:
- hard skills consistentes e boas habilidades intra e interpessoais, mas nada além do básico com ferramentas digitais;
- domínio de hard skills associado a excepcional trânsito por ferramentas digitais, mas um “cavalo” em tato social, baixa intuição e criatividade, universo emocional pouco explorado e instável;
- habilidade digital formidável e uma simpatia só, nas redes, no trabalho, no happy hour, flexível, empático, generoso. Diplomas foscos ou incompletos, incapaz de passar da página 2 ao discorrer sobre qualquer tema.
Como foi dito, temos que respeitar nossos potenciais e limitações, sem nos cobrar um igual peso nas três esferas de skills. Contudo, dos tipos de carência descritos acima, o que mais preocupa é o terceiro – hard skills.
A velocidade 4.0 parece um impedimento para mergulhos mais profundos – e como os mundos não se substituem, apenas se sobrepõem, manter os olhos no antigo mundo 1.0 também importa muito.
Criar raízes em algo, permanecer até o fim antes de trocar de canal.
O espírito multi-task tem produzido profissionais aparentemente completos, interessantes apenas na superfície dos perfis. Não seja um deles.
Texto Skills 4.0 repostado do linkedIn:
https://www.linkedin.com/pulse/skills-40-haendel-motta
Haendel Motta ministrou a palestra on-line “Fator Humano na Revolução 4.0” na AHK Paraná, no último dia 6 de abril.
*Haendel Motta é psicólogo (UFF), pós-graduado em Clínica Psicanalítica (UFF) e mestre em Psicologia Clínica (PUC-RJ). Psicólogo clínico na Marinha do Brasil, pesquisa e produz interfaces entre a clínica psicanalítica e a gestão de pessoas, também atento ao contexto de acelerada transformação atual. Por meio de cursos e palestras realizados em vários estados do país, revisita temas ligados ao fator humano nas instituições através do olhar da psicanálise. Autor do livro “4 Conceitos da Psicanálise para o Mundo Corporativo”, professor convidado do MBI (Master Business Innovation) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).