“Imagine que pudéssemos, por magia, acabar com o preconceito. Resolveríamos um grave problema que afeta mulheres, negros, pessoas LGBTQI+ e pessoas com deficiência. No entanto, apenas o fim do preconceito não faria os degraus desaparecerem, nem mesmo resolveria as muitas barreiras arquitetônicas e tecnológicas que dificultam a vida das pessoas com deficiência. É preciso pensar em mobilidade”, afirmou Guilherme Bara, Gerente de Relacionamento e Diversidade da Fundação Espaço ECO®.
A declaração faz parte do Simpósio Diversidade e Mobilidade Urbana, realizado na quinta-feira (24), no Espaço Transatlântico. O evento foi promovido pelo Projeto Brasil-Alemanha de Mobilidade Elétrica (PROMOB-e, www.promobe.com.br), coordenado pelo do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) , e a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH e teve o apoio da Câmara Brasil-Alemanha (AHK São Paulo). O encontro teve como objetivo evidenciar a importância da Mobilidade Urbana para Inclusão de Pessoas com Deficiência e Idosos, além de sensibilizar sobre a importância de considerar acessibilidade desde o planejamento.
Em seu discurso de abertura, Dr. Jens Giersdorf, Diretor do projeto PROMOB-e, apresentou um resumo dos trabalhos da instituição e discutiu a importância do tema. “A GIZ implementa os projetos de cooperação técnica do governo alemão. O foco de todos esses projetos é a implementação da agenda 2030, e no caso especifico criar cidades sustentáveis, inclusivas e resilientes para os desafios do futuro, o objetivo 11 dessa agenda. Quando falamos de mobilidade não falamos apenas de criar cidades mais acessíveis – o que sabemos que é um grande desafio – mas também de fazer a cidade mais humana”, afirmou, completando que é preciso “reconquistar as vias tomadas pelo transporte individual para que sejam utilizadas de maneira igual por ciclistas, motociclistas, pedestres com ou sem deficiência e usuários do transporte público”.
Marcos de Sousa, Diretor da Mobilize Brasil, foi o palestrante convidado para contextualizar a discussão. Em sua apresentação, o jornalista afirmou que considera o transporte individual um grande vilão da mobilidade nas cidades. “Ao priorizar o automóvel esquecemos que as calçadas também fazem parte do sistema de transporte a pé. Pensar em uma cidade mais acessível, caminhável, é pensar em uma cidade que permita que todos possam se locomover com tranquilidade: idosos, crianças, pessoas com deficiência… Hoje, a infraestrutura da cidade condena a pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida a ficar em casa, como prisioneira, por não poder usar as calçadas com segurança”, comentou. Marcos não adota uma postura radical, mas acredita que o melhor caminho seja o uso consciente de cada meio. “É preciso pensar antes de sair de casa, refletindo qual é o meio mais adequado para determinado destino. Essa prática evita a atitude quase automática de tirar o carro da garagem.”
Durante o painel “Cenários da Diversidade na Mobilidade Urbana”, Marinalva Cruz, secretária adjunta da Secretaria da Pessoa com Deficiência de São Paulo, apresentou dados relevantes que sinalizam que a falta de acessibilidade afeta direta e indiretamente na questão da empregabilidade.
Quase 24% dos brasileiros possuem algum tipo de deficiência, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Deste total, apenas pouco mais de 400 mil estão empregados, o que corresponde a menos de 1% das 45 milhões de pessoas com deficiência no País.
“Se tivermos um número maior de pessoas trabalhando, teremos também mais receita sendo gerada. Outro problema grave é que o serviço público de saúde acaba sendo sobrecarregado pelos acidentes causados pela má conservação do espaço público”, declarou Cruz. A opinião foi reafirmada por Simon Girntke, Diretor da Drees & Sommer do Brasil: “Cada pessoa que está apta para trabalhar, mas não o faz por não conseguir chegar ao local de trabalho, é um recurso perdido”.
A discussão do tema aponta para um cenário positivo de preocupação com mobilidade urbana e de mudanças, ainda que a longo prazo. Mario Fanucchi, Assessor do Secretário Municipal de Mobilidade e Transporte e Membro Permanente da Comissão Permanente de Calçadas, revelou que a cidade de São Paulo possui projetos para melhorar a questão da mobilidade. Será publicado um decreto, fruto de um trabalho de 9 meses, para estabelecer normas específicas para as empresas que participarão de licitação para executar o trabalho da forma correta.
“A infraestrutura educa. Quando se implanta uma ciclovia, por exemplo, ela sinaliza para o cidadão que o poder público estabeleceu ali um espaço para circulação. Esse processo educa”, afirmou Marcos, completando ainda que é responsabilidade do poder público estimular também campanhas permanentes de conscientização. Para Bara, cobrar ações afirmativas do poder público é importante, mas não é o suficiente. “Nós perdemos a legitimidade de cobrar quando não assumimos também nossa responsabilidade individual”, declarou.
Foto: AHK São Paulo