Para começarmos a falar sobre a Indústria 4.0, precisamos voltar ao tempo das máquinas a vapor e início da mecânica, fatos que marcaram a 1ª Revolução Industrial já no final do século dezoito. No início do século XX, acontece a 2ª Revolução Industrial, caracterizada pela produção em massa e utilização de energia elétrica. Mais adiante, vivenciamos a 3ª Revolução Industrial que é marcada pelos equipamentos eletrônicos, tecnologia da informação e automação. E com isso chegamos a 4ª Revolução Industrial.
A 4ª Revolução Industrial, ou Industria 4.0, é uma expressão criada pela Alemanha que engloba diversas tecnologias e sistemas com o objetivo de promover a integração e automação de diversos processos de uma empresa. Entre estas tecnologias e sistemas, podemos citar: Internet das Coisas (IoT em sua sigla no inglês), sistemas cyber-físicos, Inteligência Artificial, Big Data, Data Mining, impressão 3D, realidade aumentada, entre outros.
A expressão Indústria 4.0 não foi criada apenas para facilitar o entendimento da última revolução industrial, mas, sim, como estratégia para manter a Alemanha como país líder em soluções para a indústria. A Alemanha tem como espinha dorsal de sua economia o setor de manufatura e sua cadeia de valor.
Na Alemanha, o assunto foi discutido pela primeira vez em 2011, durante a Hannover Messe, a partir de uma apresentação de Henning Kargermann, ex-CEO da SAP e também um dos fundadores da empresa, e outros dois engenheiros alemães. Desde então, como presidente da acatech (Academia Alemã de Ciência e Engenharia), Kagermann passou a se dedicar ao desenvolvimento da Indústria 4.0. Em 2012, é criado um grupo de trabalho sobreIndústria 4.0 liderado pela acatech e pela Bosch com a participação de diversas empresas, institutos de pesquisa, governo e associações.
No ano seguinte, é criada a Plattform Industrie 4.0, uma iniciativa do governo alemão para reunir os mais importantes atores públicos e privados em torno da agenda da 4ª Revolução Industrial. Ainda neste ano, o BMBF (Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha) publica as “Recomendações para Implementação da Estratégia para Indústria 4.0”.
A plataforma visa identificar todas as tendências e desenvolvimentos relevantes no setor manufatureiro e combiná-los para produzir um entendimento comum e ações coordenadas no campo da Indústria 4.0. Sua liderança é realizada em conjunto pelo BMWi (Ministério da Economia da Alemanha) e BMBF com a participação de empresas, sociedade e academia. Com o intuito de facilitar e agilizar as discussões, existem diversos grupos de trabalho coordenados por empresas, por exemplo: Estrutura Legal (Dr. Hans-Jürgen Schlinkert, thyssenkrupp) e Segurança de Sistema Conectados (Michael Jochem, Robert Bosch GmbH).
Em 2015, por meio da Plataforma 4.0, a Alemanha passa a tratar o assunto internacionalmente, realizando iniciativas em conjunto de diversos países como: Itália, França, China, Japão, Estados Unidos, Austrália, entre outros. Em 2016, o assunto ganha ainda mais força quando é apresentado no Fórum Econômico Mundial em Davos sob o mote “Mastering the Fourth Industrial Revolution”. Como resultado desse movimento, além de termos a utilização do termo cunhado no país por todo mundo, inclusive no Brasil, conquista-se também o pioneirismo e know-how da Alemanha.
Para justificar a liderança da Alemanha quanto à 4ª Revolução Industrial podemos listar uma série de fatores, como a qualidade da educação, a visão a longo prazo dos empresários locais, a governança da Indústria 4.0 e o investimento em PMEs. Como já citado, a partir da explicação sobre a Plataforma 4.0, um dos principais diferenciais do país é como ele realiza a governança do assunto. De forma muito clara, todos atores, governo, empresas, instituições cientificas e sociedade, sabem seus papéis para a transformação digital. Além disso, temos a articulação entre todos atores citados, culminando em políticas que atendem, na grande maioria das vezes, os anseios de todos envolvidos.
Ainda entre os fatores de sucesso, temos o direcionamento dos investimentos em tecnologia e inovação a PMEs. Na Alemanha, são as empresas de pequeno e médio portes que representam o motor da inovação e novas tecnologias. Como exemplo disso, temos o fenômeno chamado Hidden Champions, com aproximadamente 1.300 empresas familiares de médio porte com excelência e reconhecimento mundial em suas áreas de atuação.
Quanto às ações realizadas pela Alemanha em prol da Indústria 4.0, podemos destacar a Plataforma 4.0, a Rede de Laboratórios para Indústria 4.0, o Conselho para Padrões em Indústria 4.0 e as ações promovidas pelas IHKs (câmeras de comércio e indústria na Alemanha). A Plataforma visa a criação de um ponto de contato único, centralização das informações relevantes e mapeamento de iniciativas já existentes (cerca de 500). A Rede de Laboratórios em Indústria 4.0, representa 24 Centros de Competência e cerca de 40 locais para testes. Por fim, as IHKs oferecem uma série de cursos, eventos e publicações relacionadas ao assunto.
Vale mencionar também que para viabilizar a transformação digital a Alemanha conta com diversos atores de peso. Entre eles podemos destacar a Sociedade Fraunhofer por meio de seus institutos (ex.: Fraunhofer IPK) e iniciativas (Fraunhofer Fokus), as universidades de Darmstadt e Munique, que possuem especialistas em áreas relacionadas à Industria 4.0 e Centros de Competência, e a própria ACATECH.
Fica claro que o pioneirismo da Alemanha e de suas empresas em relação à 4ª Revolução Industrial é de forma alguma por acaso.
Bruno Vath Zarpellon é o Diretor do Departamento de Inovação e Tecnologia da Câmara Brasil-Alemanha.
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