Inovação, Propriedade Intelectual e o Desenvolvimento do Brasil

Foto: Divulgação AHK Paraná

Na atual era do conhecimento, a inovação tecnológica se encontra intimamente relacionada ao desenvolvimento econômico e social de um país. Os benefícios do progresso tecnológico para a sociedade repercutem em diferentes áreas. Saúde, meio ambiente e educação são exemplos de áreas onde o benefício social se manifesta. Além disso, o progresso tecnológico possui impacto direto na geração de empregos e no aumento da competitividade do próprio país e de suas sociedades empresárias.

Esse cenário pressupõe, contudo, um sistema nacional de inovação maduro e um sistema de Propriedade Intelectual sólido e eficiente. Diversos são os indicadores utilizados na avaliação de um sistema nacional de inovação. Os gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D) e as estatísticas de patentes sempre estiveram em foco. Como se sabe, as patentes apontam o nível e a qualidade da atividade tecnológica de um país, pois dela representam o produto.

A Coreia do Sul, que começou a se urbanizar na década de 60, é conhecido exemplo de transformação econômica e social também por meio da inovação tecnológica. No início da década de 80, Coreia do Sul e Brasil ainda investiam percentuais semelhantes do PIB em P&D. A partir do final da década, porém, o percentual investido pela Coreia do Sul no setor já se aproximava daquele alocado pelos países que ocupavam a liderança tecnológica internacional: Estados Unidos, Japão e Alemanha Ocidental. Essa alteração contundente de política pública, que incluiu expressivos investimentos em educação, levou a Coreia do Sul à notória condição de potência tecnológica e econômica.

Em 2018, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país investiu 4.52% do PIB em P&D, alcançando o segundo lugar entre os 37 países membros, atrás apenas de Israel com 4.941%. A participação do setor privado ficou próxima de 80%. Não por acaso, segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a Coreia do Sul se encontra na quarta posição do ranking de patentes quando considerados os casos de residentes locais. O retorno à sociedade salta aos olhos. A Coreia do Sul é um dos países com maior velocidade de Internet banda larga e sistema de fibra óptica do mundo, o que permitirá que a sua população desfrute de todas as funcionalidades e aplicações da não mais distante era da Internet das Coisas (IoT). Além disso, possui extensa rede de trens de alta velocidade, e caminha para se tornar o primeiro país com expectativa de vida de 90 anos, por exemplo.

A China representa outro exemplo de progresso tecnológico motivado pelo aumento exponencial dos investimentos em P&D ao longo das últimas décadas. No ano 2000, o país investiu 0.89% do PIB em P&D. Em valores absolutos, USD 39 bilhões. Passadas quase duas décadas, o percentual do PIB, em 2018, saltou para 2.37%. Embora ainda seja inferior ao da Coreia do Sul (4.52%), e ao de países como Suécia (3.32%), Japão (3.27%), Dinamarca (3.03%) e Estados Unidos (2.82%), em valores absolutos, os investimentos em P&D alcançaram a impressionante quantia de USD 462 bilhões, colocando a China na segunda posição entre os países da OCDE, atrás apenas dos Estados Unidos, que investiram USD 551 bilhões.

Ainda a título comparativo, os investimentos dos 28 países membros da União Europeia, somados, atingiram, no mesmo ano, o montante de USD 428 bilhões. Esse cenário levou a China a assumir, em 2019, a liderança do ranking de pedidos internacionais de patente, via Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), deixando os Estados Unidos, pela primeira vez na história, na segunda posição. Mas não é só. A inovação se encontra no centro do plano de desenvolvimento econômico e social para o período de 2021 a 2025, bem como dos objetivos de longo prazo até 2035, ambos recentemente anunciados pelo Partido Comunista Chinês.

De outra ponta, o Brasil investiu, em 2017, somente 1.3% do PIB em P&D. A participação do setor privado se mostrou inferior a 50%. No Índice Global de Inovação, publicado em 2020, o Brasil, ainda a 9ª economia do mundo, surgiu no modesto 62º lugar, o que ajuda a esclarecer o baixo índice de patenteamento dos residentes nacionais. Nesse ponto, chama a atenção o fato de, em 2018, apenas 29% do total dos depósitos de patentes nacionais terem sido realizados por sociedades empresárias, percentual inferior àquele de pessoas físicas, que responderam por 42%, conforme divulgado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Dois aspectos contribuem para esse quadro: política pública e cultura da sociedade.

Há, porém, no mesmo contexto, iniciativas nacionais a serem enaltecidas, como a do INPI, em especial a de sua divisão de patentes, de estruturar um plano de ação para combater o atraso no processamento e análise dos casos. Lançado em 2019, o Plano de Combate ao Backlog de Patentes tem por finalidade reduzir em 80%, até 2021, a quantidade de casos pendentes de decisão. Em pouco mais de 1 ano do lançamento do plano, a redução já se aproxima de 50%. Essa nova realidade reforça o amadurecimento do sistema de patentes nacional. Merece igual destaque a intenção do Ministério da Economia de construir a chamada Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual, que terá como objetivo, tal como anunciado em julho de 2020, tornar o sistema brasileiro de Propriedade Intelectual mais efetivo, equilibrado e amplamente utilizado pela sociedade. Nessa linha, outra iniciativa louvável, iniciada em 2019, é a do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações de redesenhar a política de inovação nacional. Agora em novembro, encerra-se a consulta pública aberta com o propósito de colher subsídios para a formulação da Estratégia Nacional de Inovação.

Assim, deve-se aproveitar o momento atual para a realização de amplo – e necessário – debate sobre o tema, reunindo governo, universidades/institutos de pesquisa e iniciativa privada. Dúvidas não há de que o desenvolvimento econômico e social do Brasil passa, necessariamente, pela revisão de sua política de inovação e pela disseminação da cultura da Propriedade Intelectual na sociedade.

 

Philippe Bhering é advogado, mestre e doutorando em Direito pela Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha, e sócio do escritório Bhering Advogados, especializado em Propriedade Intelectual. Contato: philippe.bhering@bhering.adv.br .