Quando falamos dos jovens quase sempre pensamos em uma categoria genérica e ampla, como se todos eles coubessem em uma descrição de horóscopo. Por sua vez, assim como os signos, não é muito difícil encontrar aqui e ali uma característica bastante palpável, contanto que se considere algumas variáveis. O contexto é o mesmo das denominadas Gerações e qualquer analista sério evitará uma definição de Millennials, por exemplo, sem delimitar as condições socioeconômicas, especialmente quanto ao perfil de consumo.
Não quero, com isso, rotular a juventude de consumista. Contudo, o que e como consomem diz muito do modo como se relacionam com o mundo em que vivemos. A variedade de opções e possibilidades, as constantes e infinitas novidades acabam por criar uma forma de ver o mundo. Há 20 anos talvez o mantra fosse o acúmulo puro e simples de objetos de consumo, porém hoje o cenário é outro. As opções não se resumem a produtos, mas a histórias, conceitos e valores, pois escolher é algo visto como fundamental. Os jovens brasileiros, especialmente os das classes mais altas, cresceram podendo dizer o que querem ter e, consequentemente, ser.
É claro que há uma linha tênue entre ambas as possibilidades e facilmente algum incauto confunde os verbos e os considera sinônimos. No entanto, parece razoável que a liberdade de escolha tenha se estabelecido de tal forma que poucas coisas se tornaram tão valiosas quanto a afirmação da singularidade.
Reparem que nos anos 80 e 90 eram comuns as tribos urbanas: jovens com mesmos gostos e hábitos vestiam-se quase uniformizados e agiam de forma coesa. Hoje, o grupo continua sendo importante, mas há uma fluidez que impede a rotulação. Ser X ou Y é muito pouco quando se pode decidir por ser X e Y e Z, se for interessante assim. A isso tudo soma-se um incrível fluxo de informações consumidas e geradas. Enquanto os mais velhos apenas se informam, os jovens também informam seus pares, partilham e constroem redes próprias.
Vale destacar que este mundo não tem necessariamente uma materialidade. Tudo pode ser acessado e trazido para seu cotidiano. Porém, o choque de tantos desejos, de tanta liberdade de escolha com uma sociedade conservadora e controladora como a nossa, é inevitável. Mas não há volta, não se retira a liberdade de opinar e agir dessa geração. Ao mesmo tempo, há um desejo crescente em abraçar causas que se, por um lado, não são universalizantes como as bandeiras dos anos 60, por outro, carregam a vontade de deixar sua marca no mundo, de serem relevantes.
No ambiente escolar podemos observar com clareza a evolução desse desejo de agir. Do posicionamento na sala de aula à atuação via Grêmio Estudantil, alunos e alunas ensaiam uma vida para além dos muros da escola: dizem o que lhes desagrada, propõem mudanças e indicam o que não pode continuar sendo como é. Surgem críticas às instituições e às relações sociais. Para eles falta flexibilidade, fluidez e aceitação da diversidade.
Por anos a fio repetimos que o mundo está em acelerada transformação e que apenas aqueles que souberem se reinventar constantemente terão lugar. Pois bem, nossos jovens estão dizendo “não só nos reinventaremos, como reinventaremos todo nosso entorno”. Essa reinvenção será obrigatoriamente à imagem e semelhança desses jovens, derrubando muros e construindo inúmeras pontes, considerando particularidades e diferenças.
Isso não significa que se trata de um processo linear e sem obstáculos, pelo contrário. Haverá muita variação entre grupos sociais e regionais, por exemplo. Também cabe discutirmos se uma sociedade tão competitiva e individualista não criará outros obstáculos a esta fluidez atual. Entretanto, temos de comemorar a vontade de fazer mais e melhor desses jovens. Há movimento e vontade de acertar!
Erik Hörner é Coordenador Pedagógico do Ensino Médio no Colégio Humboldt e Bacharel em História pela Universidade de São Paulo, além de mestre e doutor em História Social também pela Universidade de São Paulo.