O Adeus ao carvão na Alemanha até 2038

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Foi em janeiro de 2021 que o projeto de lei visando a descontinuação do uso do carvão para a produção de energia elétrica da Alemanha foi entregue ao Parlamento Alemão, representando mais um marco na política de mudança energética do País.

O texto foi fruto do trabalho de uma comissão, convocada em 2018, para discutir os temas de “crescimento, mudança estrutural e emprego”, a também chamada “comissão do carvão”. O seu objetivo foi justamente a elaboração de um plano para a redução paulatina e o encerramento da queima de carvão para a produção de energia elétrica na Alemanha, assim como a elaboração de propostas para sua implementação e a compensação da falta de energia elétrica baseada no carvão.

Essa ação integra o processo de Energiewende, palavra alemã que é utilizada para descrever esse momento de transição que pode ser considerado uma das ações de política econômica mais complexas das últimas décadas. Ela propõe a saída da produção de linhito e carvão e seu uso como fonte de energia, assim como o fim da produção de energia nuclear.

A mudança energética alemã prevê a integração tecnológica de energias renováveis nas redes já existentes. Aos poucos, módulos de energia eólica e solar deverão ser introduzidos no mix energético do país. Por outro lado, centrais termoelétricas baseadas na queima de linhito e carvão deverão ser apagadas progressivamente, até que em 2038 não haja mais centrais ativas dentro da rede alemã de energia elétrica.

Outros países europeus também se comprometeram com o abandono do carvão, mas o mix energético não é comparável com o alemão. Enquanto até 2019 carvão e linhito foram responsáveis por quase 30% da produção de energia elétrica na Alemanha, este valor cai para de 1 a 3% em países como a França e a Suécia. Assim sendo, não há no mundo projeto semelhante à envergadura do projeto para o abandono de uma fonte energética de importância primordial. Além disso, a energia nuclear também será descontinuada até 2022.

O desligamento das usinas de carvão é também um passo importante para poder atingir em tempo as metas da Conferência do Clima da ONU, cuja próxima edição acontecerá na Polônia, a COP24.

A RWE Technology International (RWE), uma das grandes provedoras de energia na Alemanha, precisa se adequar às mudanças. Ingo Birnkraut, CEO do gigante alemão, se pronunciou sobre a saída do carvão e as consequências que a empresa enxerga para os próprios negócios, além de fazer uma avaliação da situação no mundo e no Brasil.

Como você avalia a decisão política da Alemanha de abandonar o uso de carvão?

A maneira como eletricidade é produzida está se mudando radicalmente. Atualmente, ela é ainda muito intensa em CO2 em países como a Alemanha. Isto precisa mudar. A RWE está contribuindo para isto e apoia a transformação energética da Alemanha, assim como as metas climáticas alemãs e europeias. Entre 2012 e 2018, a empresa reduziu sua emissão de CO2 em 60 milhões de toneladas, ou seja, por um terço. Isto corresponde à emissão de 30 milhões de carros por ano. As sociedades modernas requerem cada vez mais eletricidade e a RWE a produzirá de um jeito que uma vida sustentável com alto consumo de energia sejam compatíveis. O nosso objetivo é sermos neutros em relação ao clima até 2040 terminando de forma consequente e responsável o uso de fontes fósseis de energia.

Embora a Alemanha tenha decidido sair do carvão, no mundo inteiro o número de projetos para novas centrais termoelétricas ainda é muito elevado, especialmente em países asiáticos. Como você enxerga isso?

A transformação energética já se tornou um desafio global e assuntos como descarbonização, descentralização e diversificação têm um impacto no modelo de negócios dos nossos clientes na Ásia, assim como em outras partes do mundo. Já aceitamos vários projetos de consultoria nas áreas de modernização de plantas e redução de emissões, seja na mineração ou na área de geração de energia. Ampliaremos este campo mundialmente. A RWE está cada vez mais focada em projetos para o fomento de energias renováveis. Embora nosso apoio para novos projetos de carvão esteja diminuindo, é claro que continuamos oferecendo os nossos serviços para centrais termoelétricas e minas existentes. Além disso, estamos reforçando nossos serviços de engenharia e consultoria para centrais de geração de energia a gás, cogeração de calor-energia, biomassa e novas tecnologias como armazenamento e hidrogênio. Os nossos mandatos de consultoria sempre visam ativamente a procura de possibilidades para tornar as plantas dos nossos clientes mais eficientes, com foco em recursos seguros e sustentáveis.

Você acredita que a região carbonífera da Renânia sairá ilesa deste processo de transformação? Se for o caso, quais são os pré-requisitos para uma transição bem-sucedida e o que falta para que isto aconteça de um ponto de vista político, econômico e tecnológico?

Esta transformação é um desafio muito grande para uma região que, com suas jazidas de linhito e centrais termoelétricas, representa um dos centros energéticos da Alemanha. Mesmo assim, é preciso falar sobre um grande processo de transformação, um processo gerenciável e não de uma quebra de estruturas. A região fica no coração da Europa e perto de centros industriais, dispõe de mão de obra altamente qualificada e receberá o apoio estadual prometido. Sendo assim, ela tem boas chances para superar este desafio. A RWE apoiará com tudo a transição. As leis que regulamentarão esta transição, sobretudo a lei para a saída do carvão e a lei sobre o reajuste salarial para funcionários que se desligarem antecipadamente, ainda estão tramitando no parlamento.

O estado de Minas Gerais passará por uma transformação semelhante nos próximos anos, pois as jazidas locais estão aos poucos se esgotando: quais são as capacidades da RWE que poderiam ser aplicadas aqui?

A RWE tem reputação global pelo seu trabalho exemplar de recuperação ambiental e renaturação de cavas que podem ser entregues para usos tais como agricultura, silvicultura e preservação ambiental. A RWE está pronta para compartilhar seu conhecimento com as mineradoras em Minas Gerais para gerenciar esta transformação de forma bem sucedida. Nisso, podemos atuar como consultores na fase de planejamento e feasibility de um fechamento de mina, assim como apoiar com eficácia na execução subsequente. Também temos experiência no uso de áreas de minas exauridas como áreas para a geração de energias renováveis. Atualmente, uma boa parcela do nosso trabalho amiúde é dedicada à testagem de projetos piloto de tecnologias inovadoras e de novos conceitos de plantas. Neste sentido, somos consultores de engenharia experientes que podem ajudar também na procura de negócios alternativos.

Para compensar a perda de negócios baseada no abastecimento de energia elétrica gerada de carvão e linhito, serão criados outros produtos ou serviços?

As mudanças são enormes. Só a lavra de linhito e sua transformação em energia elétrica, junto aos serviços de apoio e administrativos dão emprego a 10.000 funcionários e funcionárias. Até 2023, teremos uma perda de postos de trabalho na casa de 3.000, e, mais uma vez, a mesma quantidade de vagas até 2030. A nova orientação da empresa para as energias renováveis, sua grande experiência e boa qualificação oferecem oportunidades para muitos deles. Mas não haverá um câmbio 1:1 para muitos. É improvável que você consiga transformar um motorista de uma escavadeira de 55 anos de idade em um eletrônico de sistemas de informática para fazer o diagnóstico à distância para parques eólicos offshore. A RWE fará de tudo para que a redução de postos de trabalho aconteça de uma forma socialmente amortecida.

Qual é o cronograma para terminar o uso do carvão na RWE como fonte de energia?

A RWE fechará as últimas usinas a carvão em 2038 no máximo. Para as usinas de linhito já vale um outro regime. Transferimos unidades de geração de energia elétrica na “reserva fria” que serve como stand-by. O primeiro bloco já será apagado até o fim deste ano em consonância com a lei que está prestes a ser aprovada. A partir de 2030 só os três blocos mais modernos e eficientes (que começaram a funcionar em 2003 e 2012) baseados em linhito produzirão. Para as centrais termoelétricas baseadas em carvão aplicaremos um outro método de desligamento.

A RWE focará na geração de energia elétrica por meio de energias renováveis?

Com certeza. A RWE se tornará neutra em termos de emissões de CO2 até 2040. Isto significa uma preferência clara para as renováveis. As respectivas emissões de CO2 oriundas de unidades que estiverem ainda produzindo até então de forma convencional, serão compensadas. Ao mesmo tempo a nossa unidade European Power visa possibilitar a conversão usando tecnologias de flexibilização e estabilização. Estamos realizando projetos de novos meios de armazenamento, hidrogênio verde e de estabilização da rede.

Será necessário importar energia do exterior?

Quem é responsável pela garantia de suprimento na Alemanha é a Agência Federal de Redes de Transmissão (Bundesnetzagentur) e as quatro empresas de redes de transmissão. Por isto, a RWE não tem motivo para substituir a própria produção de energia fóssil suprimida pela importação de energia elétrica. A RWE vende a maioria da sua produção de energia com anos de antecedência. Graças às modalidades da saída do carvão, para a empresa é previsível quando será o momento de tirar qual capacidade de produção de central termoelétrica da rede. Assim conseguimos dispor da comercialização da própria produção elétrica.

*Essa matéria foi publicada originalmente no Guia de Fornecedores de Mineração 2021. Para conferir este e outros textos na íntegra, faça o download da publicação aqui.