Nos dias 18 e 19 de novembro, a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo realizou o Congresso Virtual Internacional de Bem-Estar Animal – Don’t Forget the Animals 2020. Com mediação do jornalista e comunicador José Luiz Tejon, o congresso contou com a participação de especialistas e autoridades brasileiras e alemãs, que debateram as melhores práticas em relação ao bem-estar de animais de produção e de companhia. O primeiro dia do evento foi dedicado a discutir o tema referente à animais de produção, enquanto o segundo trouxe a discussão acerca de pequenos animais.
Manfredo Rübens, Presidente da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo e Presidente da BASF América do Sul, abriu o evento com uma vídeo-mensagem, na qual ressaltou a importância da criação de uma plataforma de diálogo aberto entre ambos os países, assim como entre áreas diferentes que lidam com o bem-estar animal.
Também por meio de uma vídeo-mensagem, o Embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, reforçou que o evento é mais uma forma de cooperação entre o Brasil e a Alemanha. “Essa iniciativa aprofundará ainda mais o nosso intercâmbio no âmbito da iniciativa agro, debatendo questões de alimentação e produção. É imprescindível discutir sistemas de alimentação resilientes e sustentáveis e o Brasil já se mostrou um dos maiores produtores de alimentos em escala global”, disse.
Por outro lado, o Embaixador do Brasil na Alemanha, Roberto Jaguaribe, explicou as três naturezas da discussão sobre o trato de animais. “Existe a natureza ética, a natureza funcional e a natureza de mercado. O Brasil já tem uma legislação específica sobre isso, além de um enorme grau de adaptabilidade na agricultura”, discursou.
Antes do início dos painéis, o Vice-Presidente Executivo da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo, Thomas Timm, mostrou dados de uma pesquisa sobre o público presente no congresso. Ele ressaltou e comemorou a presença expressiva de jovens universitários no evento.
O Professor da Fundação Universidade de Medicina Veterinária de Hannover (TiHo), Jörg Hartung, contextualizou a situação atual causada pela pandemia e os aprendizados que essa nova configuração trouxe. “Nós, seres-humanos, temos a responsabilidade, enquanto criaturas semelhantes, de proteger os animais de qualquer tipo de dor, sofrimento e medo. Nós estamos todos no mesmo barco e a proteção humana deve envolver a proteção animal e ambiental”, afirmou.
As dificuldades da promoção do bem-estar de animais de produção no Brasil foram abordadas pelo Professor Mateus Paranhos, Professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da UNESP. Ele mostrou algumas vantagens que a mudança no trato de animais pode trazer para a eficiência do trabalho e para redução de acidentes com humanos e animais. “É importante enfatizar que tratar bem os animais é uma questão ética. Obviamente existem os aspectos econômicos que devem ser levados em consideração, mas estes também são afetados positivamente pelo bom trato de animais”, explicou.
Dra. Katharina Kluge, do Ministério a Nutrição, Agricultura e Defesa do Consumidor da Alemanha, contextualizou a situação da União Europeia e da Alemanha, trazendo exemplos do que está sendo feito em termos de regulação e legislação.
A visão dos produtores também foi levada em consideração e, para representá-los, o evento contou com a participação de Carmen Perez, Produtora da Agropecuária Orvalho das Flores, e Dietrich Pritschau, Produtor. Perez comentou a iniciativa de redução da marca de fogo em animais de produção, medida que ainda é muito utilizado na agropecuária e causa grande sofrimento nos animais. “Quando marcamos nossos animais, deixamos outras marcas na cadeia produtiva. A começar pelo próprio animal e, consequentemente, a equipe que cuida dele e o consumidor final. Precisamos entregar para o consumidor moderno uma marca de produção responsável, ética e humana”, defendeu. Em adição aos comentários de Kluge, Pritschau fez uma explicação sobre as alternativas possíveis para a castração de animais que serão exigidas na Alemanha. “A legislação alemã é complicada, mas é essencial fazer uma união entre o mercado e o bem-estar dos animais. Nós, produtores, concordamos com as organizações de protecao de animais, mas a legislação tem que ser mudada”, disse.
O evento foi também palco do lançamento do livro “Compendium Animalis: Coletânea de Leis e Normas de Proteção e Bem-Estar Animal do Brasil”, compilado por Stefan Timm, veterinário brasileiro-alemão, atualmente doutorando da Universidade de Medicina Veterinária de Hannover (TiHo) sob orientação dos Professores Hartung e Paulo Maiorka, da FMVZ/USP. Ao apresentar mais detalhes sobre a obra, Timm contou um pouco sobre sua trajetória e expressou sua expectativa com a criação do livro. “As leis ainda encaram os animais como bens. Seria fundamental haver uma mudança na legislação para que os animais possam ser encarados como seres sencientes”, ressaltou.
Flávia Tonin, jornalista autônoma, expôs uma pesquisa sobre a circulação do tema de trato de animais de produção nas mídias sociais. Ela acredita que o bem estar animal será uma virada de chave para o agronegócio.
O Ex-Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, comentou a responsabilidade social dos gestores no processo de ajuste dos produtores rurais para a implementação mais ampla do bem-estar animal. “Nós temos que observar o futuro com atenção, porque os consumidores do mundo querem saber como os animais são tratados. Para isso, temos que investir em rastreamento e na legislação para auxiliar as empresas a cumprir as diretrizes de forma organizada”, disse.
Finalizando o primeiro dia do evento, Werner Schwarz, da Associação de fazendeiros de Schleswig-Holstein, comentou sobre o futuro dos animais de produção na Alemanha e sobre as exigências da sociedade alemã com o tema.
O segundo dia do congresso teve início com a exibição de uma vídeo-mensagem de Hans Joachim Fuchtel, Vice-Ministro da Nutrição, Agricultura e Defesa do Consumidor da Alemanha. No vídeo, o governante relembrou a importância de não subestimar o papel dos animais na saúde humana global, mesmo em tempos de crise. “A pandemia colocou as nossas vidas de ponta cabeça e a proteção dos animais ficou em segundo plano. Mas agora, mais do que nunca, precisamos nos debruçar sobre esse assunto”, discursou.
Em seguida, uma exposição sobre a relação entre os pequenos animais e o homem na Alemanha foi feita por Holger Volk, Veterinário da Clínica para pequenos animais de TiHo Hannover. “O vínculo entre animais e o ser humano se fortaleceu e, consequentemente, a importância dos pets para os indivíduos aumentou”, disse.
O Professor e Chefe do Departamento de Patologia da FMVZ/USP, Paulo Maiorka, trouxe os desafios atuais para o bem-estar de pequenos animais no Brasil. Um dos pontos mais ressaltados por ele foi a importância da valorização de um sistema público de saúde que permita o tratamento de animais cujos donos não podem arcar com os custos de um tratamento privado. “Hospitais públicos veterinários aos poucos estão sendo criados em todo o território nacional, o que propicia condições de atendimento aos animais cujos proprietários não têm condições de prover cuidados médicos. A saúde dos humanos é importante para quem se preocupa com o bem-estar animal e esse modelo de saúde universal está em risco para ambos os grupos, por isso é muito importante que nós defendamos o SUS, por exemplo”, argumentou.
Abordando o mesmo tema, com a visão alemã, Henriette Mackensen, Professora da Academia para Proteção Animal e Membro da Associação Alemã de Proteção Animal, focou sua apresentação na questão do abandono e acúmulo de animais no país. Segundo ela, não existem animais abandonados nas ruas da Alemanha, embora os abrigos estejam lotados. Eva Tennagels, do Ministério da Nutrição, Agricultura e Defesa do Consumidor da Alemanha, comentou as medidas que o governo alemão está aplicando para resolver os problemas de maus tratos e abandono. Ainda sobre esse assunto, Rosangela R. Gebara, da World Animal Protection, teceu comentários sobre propostas para controle de animais de rua no Brasil.
Com o intuito de trazer uma abrangência maior sobre o tema, aspectos da legislação brasileira de pequenos animais foram comentados por Maíra Vélez, Advogada da OAB de São Paulo. Ela expôs as dificuldades de mudar a legislação por conta de interesses conflitantes dentro dos diversos grupos da sociedade. “O Brasil é um país de realidades muito diversas, mas o movimento de defesa aos animais tem crescido. O ativismo judicial é importantíssimo, mas a manutenção de um diálogo aberto com vários órgãos de governo tem que ser prioridade”, disse.
Stephanie Marcucci Viehmann, Diretora de Comunicação da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo, fez um paralelo com as percepções de Tonin, do dia anterior, e comentou a contribuição positiva de ações em mídias sociais durante a pandemia para a adoção de animais de estimação.
Márcio Antonio Brunetto, Professor da FMVZ/USP, abordou as perspectivas para o futuro da questão animal no Brasil. Brunetto acredita que a visão das pessoas acerca dos animais mudou, mas que essa mudança deve ser encarada com cuidado. “Hoje os pets não são mais tratados como animais e, sim, como pessoas, mas não podemos esquecer que eles são uma espécie diferente e isso implica um tratamento diferente e específico, explicou.
A última palestrante do dia foi Dra. Madeleine Martin, responsável pela Proteção Animal no estado de Hessen, na Alemanha. Ela também detalhou os projetos que serão implementados no futuro no país, como a proibição de comercio de animais selvagens e a criação de medidas mais fortes para o controle de cruzamentos de animais.
Após o encerramento formal do evento por Tejon, os palestrantes permaneceram na sala virtual comentando os próximos passos e reunindo sugestões para o evento do próximo ano, que acontecerá nos dias 17 e 18 de novembro de 2021.