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Um exame de sangue, conhecido como biópsia líquida, capaz de detectar fragmentos do DNA do tumor no sangue, pode ajudar médicos a decidir quem realmente precisa receber imunoterapia após a cirurgia de câncer de bexiga, e quem pode apenas ser acompanhado. É o que mostra um estudo internacional de fase 3, publicado no The New England Journal of Medicine, com coautoria do Dr. Ariel Kann, oncologista e head do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
A bexiga é um órgão muscular e elástico, localizado na pelve, responsável pela retenção e eliminação da urina. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a American Cancer Society, cerca de 614 mil pessoas são diagnosticadas com câncer de bexiga todos os anos, o que o torna o nono tipo mais frequente de câncer no mundo. A doença é quatro vezes mais comum em homens do que em mulheres, e o principal fator de risco é o tabagismo, seguido da exposição ocupacional a determinados produtos químicos.
O estudo, denominado IMvigor011, acompanhou 761 pacientes submetidos à cirurgia para remoção da bexiga. Aqueles que apresentavam vestígios da doença no sangue, identificados por meio do exame de DNA tumoral circulante (ctDNA), forma específica de biópsia liquida ainda restrita a centros de pesquisa, foram divididos em dois grupos: um recebeu o medicamento atezolizumabe, uma imunoterapia que estimula o sistema imunológico a combater o câncer, e o outro recebeu um placebo. Já os pacientes sem sinais da doença permaneceram em acompanhamento clínico.
De acordo com o especialista, após a cirurgia (cistectomia), até metade dos pacientes correm risco de recidiva. “Hoje, decide-se quem precisa de tratamento complementar se baseando em avaliações clínicas e exames de imagem, que nem sempre detectam precocemente o retorno da doença”, conta.
O IMvigor011 é o primeiro estudo a comprovar, de forma prospectiva, que o exame de ctDNA pode guiar essa decisão com maior precisão, definindo quem deve receber imunoterapia e quem pode ser apenas monitorado. “O exame pode detectar o reaparecimento do câncer, em média, 100 dias antes dos exames de imagem, permitindo intervir em uma janela de tempo em que ainda há potencial de cura com o uso da imunoterapia”, destaca.
Entre os 250 pacientes ctDNA-positivos incluídos no ensaio, o uso de atezolizumabe reduziu em 36% o risco de recidiva ou morte e em 41% o risco de óbito em comparação ao grupo placebo. Já os pacientes com ctDNA negativo persistente permaneceram livres da doença em 95% dos casos após um ano e em 88% após dois anos, sem necessidade de tratamento adicional, o que reforça o potencial do exame em evitar terapias desnecessárias e toxicidade.
Apesar do avanço, Dr. Ariel Kann ressalta que o uso clínico do exame ainda depende de ampliação de acesso e validação em diferentes contextos de saúde, especialmente fora de grandes centros oncológicos.
“Essa é uma das evidências mais consistentes até agora de que o ctDNA pode orientar o tratamento de forma personalizada, evitando terapias desnecessárias e permitindo intervir mais cedo em quem realmente precisa”, explica Dr. Ariel.
O estudo também demonstrou que o uso do ctDNA como ferramenta de decisão terapêutica antecipa a detecção de recidiva em relação aos exames de imagem e pode reduzir custos e toxicidade ao poupar pacientes sem risco de exposição a imunoterapias de alto custo. “É um avanço que inaugura uma nova era no manejo do câncer de bexiga e reforça o papel da medicina de precisão no cuidado oncológico”, completa.
