Antes mesmo de abrir uma mina já é preciso planejar seu fim. As estratégias para encerramento das atividades de uma mina ultrapassam a perspectiva ambiental e englobam as outras duas pontas da sustentabilidade: os âmbitos econômico e social da região. Isto porque envolvem comunidades e municípios profundamente impactados pela atividade mineradora e que, com o passar dos anos, podem se tornar dependentes dos recursos advindos do setor.
Para Danilo Vieira, Consultor de Meio Ambiente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG), “o fechamento de uma mina começa quando uma empresa de mineração pretende se instalar. Então, inicia-se um projeto, planejando o final dele”. Portanto, já devem estar presentes nos estudos iniciais da mineradora, que permeiam todo processo que servirá de base para o licenciamento ambiental, a descrição de suas atividades, os impactos gerados e como as atividades serão finalizadas.
Para qualquer alteração em uma mina, é necessário analisar as demandas decorrentes destas alterações e seus impactos, principalmente ambientais, isso inclui o próprio fechamento da mina, destacou Leandro Gomes, Head de soluções em Mineração e Engenharia de Aplicação na Siemens, exemplificando com um caso de descomissionamento de barragens. O processo é uma alternativa viável para redução de riscos e prevê uma futura deposição do resíduo do processo em forma sólida, em vez de manter as barragens. “Além de eliminar o risco existente nas barragens, este mesmo resíduo pode ser armazenado empilhado, formando área com possibilidade de reflorestamento”, explicou Gomes, completando que o descomissionamento das barragens exige a implementação de novos sistemas para secagem do resíduo. A Siemens propõe uma solução alimentada e controlada por sistemas elétricos e de controle. “Visando menor impacto na área a ser instalado o novo processo, podemos fornecer a solução elétrica em eletrocentros. Os eletrocentros são salas elétricas completas em estrutura metálica similar a um container. Este tipo de solução possibilita um menor impacto na instalação, pois os eletrocentros são fabricados em estrutura fabril não existindo a necessidade de construção em alvenaria local, reduzindo canteiro de obra, rejeitos locais e reduzindo a área ocupada”, detalhou Gomes.
Para além dos impactos ambientais, que não podem ser perdidos de vista, dentro do eixo da sustentabilidade é exigido no fechamento de mina que também se reestabeleçam, não só as condições ambientais para reaproveitamento dessa área e recomposição dela, mas também as questões social e econômica do município.
Isto consta no Decreto nº 9.406 de 2018, assinado pelo ex-presidente Michel Temer, que regulamenta o novo código de mineração. O texto estabeleceu regras ambientais mais rígidas e a obrigatoriedade de execução de fechamento de minas. A seção II, no parágrafo 3º, lista os aspectos que devem ser observados no fechamento de mina:
“I – a recuperação ambiental da área degradada;
II – a desmobilização das instalações e dos equipamentos que componham a infraestrutura do empreendimento;
III – a aptidão e o propósito para o uso futuro da área; e
IV – o monitoramento e o acompanhamento dos sistemas de disposição de rejeitos e estéreis, da estabilidade geotécnica das áreas mineradas e das áreas de servidão, do comportamento do aquífero e da drenagem das águas.”
No Brasil, no entanto, nem sempre é assim. “Muitas [empresas] não fazem isso. Elas só pensam no fechamento da mina quando percebem que sua vida útil está acabando”, afirmou Rolf Georg Fuchs, Fundador e Presidente da Integratio Mediação Social e Sustentabilidade, consultoria especializada em prevenção e gerenciamento de riscos e oportunidades socioambientais no setor da mineração.
Tendo em vista que são recentes as pressões por regulamentação, infelizmente são escassos os bons exemplos de fechamento de minas no Brasil até hoje. “Não é possível encontrar uma cidade no País que possa ser um exemplo de pós-mineração nos três âmbitos juntos: ambiental, social e econômico”, afirmou Waldir Salvador, Consultor de Relações Institucionais e Econômicas da AMIG.
O município de Itabira, em Minas Gerais, famoso por ser a terra-natal do poeta, contista e cronista brasileiro, Carlos Drummond de Andrade é intensamente direcionado para a extração do minério de ferro – tanto que se pode encontrar o minério no pó presente na janela das casas, brincou Waldir Salvador durante a entrevista. Mas Itabira é também “o primeiro exemplo lamentável de mineração que chega nos próximos anos ao fim, sem condições de a cidade ser atraente para outros negócios ainda”.
Segundo Fuchs, “já existe um movimento conjunto da empresa, da prefeitura, do Governo do Estado e de várias outras instituições preparando o município de Itabira para viver sem a mina, sem a receita, sem os empregos, sem tudo.”
Essa realidade se repete na maioria das cidades mineradoras. Salvador enfatizou que de 80% a 90% de tudo que a prefeituras arrecadam advém da mineração, o que torna o fechamento de uma mina um dos grandes desafios para as cidades. “Elas vivem do Fundo de Participação, que é um recurso do Governo Federal repassado para todos os municípios do País, proporcionalmente em relação ao território e população. Sem a mineração, portanto, a prefeitura quebra. Esse é o grande temor.”
Parte do problema deve-se ao fato de que, diferentemente de outras indústrias, a mineração não tem escolha locacional, atuando onde o minério está. Consequentemente, muitas cidades mineradoras não têm a sorte de estarem bem localizadas para outros negócios. Nova Lima (MG), por exemplo, passou por um processo de conurbação com Belo Horizonte, transformando a capital mineira em válvula de escape para novos negócios.
A consultoria Integratio participou em 2017 ativamente do fechamento emergencial da mina de ouro da Aurizona Mineração no município de Godofredo Viana, noroeste do estado do Maranhão. Devido a problemas técnicos, a empresa e a consultoria não tiveram tempo hábil para o fechamento adequado da mina. Ainda assim a conclusão foi positiva: “Hoje, ela funciona normalmente. É uma das maiores minas de ouro do Brasil, mas ela teve que ser fechada durante 4 anos”.
Durante o processo, a consultoria se deparou com algumas perguntas: “como esse município sobrevive sem os impostos? Como o comércio sobrevive sem a venda de seus serviços e seus produtos? E as comunidades, como elas sobreviverão, já que boa parte dos chefes das famílias trabalhavam na mina?”.
Em um curto espaço de tempo, foram desenvolvidos programas que atendiam algumas frentes, principalmente o desenvolvimento da iniciativa própria e o empreendedorismo, além de programas para a qualificação profissional e requalificação, tendo em vista que a mineradora tinha intenção de voltar a atuar após da resolução dos problemas técnicos.
Além disso, foram implementados programas sociais de acompanhamento, assistência, fortalecimento e empoderamento da comunidade. Fuchs explicou que “a comunidade era muito pobre e longe de qualquer outra condição de sobrevivência, a não ser atividades de pesca e de agricultura de subsistência. Então foi muito interessante conseguir superar esse hiato de 4 anos dando condições de qualidade de vida para essa sociedade. E, ao mesmo tempo, já preparando-a para a reabertura da mina.”
Trabalhos como este transformam a mineração e trazem mais sustentabilidade para a atividade. Afinal, o impacto do setor nos municípios com atividade mineradora é inegável. “As cidades têm um Índice de Desenvolvimento Humano e um índice de renda per capita raríssimo. Estão entre os melhores do país”, destacou Waldir Salvador.
Só no 1º trimestre deste ano, a mineração faturou R$ 70 bilhões (excluindo-se petróleo e gás), 95% a mais que o mesmo período em 2020. Além disso, o País arrecadou R$ 2,1 bilhões da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), 103% superior ao 1º trimestre do ano passado, como divulgado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM).
O setor mineral gerou novos empregos, tendo um aumento de 5% de janeiro para fevereiro deste ano, resultando em um saldo de 186.610 empregos no Brasil somente no setor mineral, segundo o Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho (PDET) e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).
O Guia para Planejamento do Fechamento de Mina do IBRAM lançado em 2013, explica que toda mina modifica o ambiente de forma significativa e, muitas vezes, permanente. Porém, a mineração é uma forma temporária de uso do solo: “Ao ser encerrada a atividade, novas formas de uso das áreas ocupadas pela mina devem ser viáveis, considerando as restrições decorrentes das modificações permanentes, assim como as aptidões e oportunidades associadas ao período de funcionamento da mina.
Essas são novas metas para os fechamentos de minas que estão por vir, que atingem a construção reputacional das empresas mineradoras que abordam projetos sustentáveis. Como Fuchs afirmou, “a empresa não é a responsável pelo futuro de um município, de uma sociedade e/ou de uma região. Ela é parte de um conjunto de responsabilidades”. Dessa forma, a consultoria coloca como fundamental o diálogo para caminhar de mãos dadas com as comunidades, as lideranças formais e informais, a fim de encontrar o melhor caminho para construir um futuro sólido após o fim das atividades mineradoras na localidade.
*Essa matéria foi publicada originalmente no Guia de Fornecedores de Mineração 2021. Para conferir este e outros textos na íntegra, faça o download da publicação aqui.